
No Momento Estrela Guia, com Nilve Maldaner, Nelci revisitou as passagens que moldaram sua vida: das salas de aula do interior à Câmara de Vereadores, sempre guiada pela entrega ao coletivo.
A trajetória de Nelci Kanitz é daquelas que não se constroem com atalhos, mas com a firmeza de quem conhece de perto o valor do esforço. Nascida na Linha Seis, filha de pequenos agricultores, aprendeu desde cedo que a vida no interior exigia mais do que resistência: pedia entrega. Não houve privilégio ou facilidade, mas um caminho trilhado com trabalho e uma disposição constante para fazer mais, para servir.
Começou como professora leiga, em uma escola rural onde 70 alunos dividiam os turnos, e precisou, antes de tudo, ensinar a língua portuguesa a crianças que falavam apenas alemão. Assim, alfabetizar era também traduzir o mundo. Enquanto lecionava, formou-se no magistério em cursos de férias, superando a distância, a falta de recursos e as limitações que o contexto impunha.
O casamento com Orlando Kanitz foi o início de outra etapa. Juntos, construíram uma vida que mesclava a educação com a política. Orlando foi vereador, prefeito duas vezes, e Nelci, que inicialmente relutou com a ideia de ver o marido na política, acabou assumindo também esse espaço. Foi vereadora por dois mandatos, presidente da Câmara e a primeira mulher a ocupar o cargo no município — um marco, não como bandeira, mas como resultado natural de quem nunca deixou o medo ditar seus passos.
Quando se candidatou à prefeitura, rompeu a polarização política que por anos definiu o cenário local. Não venceu, mas abriu caminho para que outras mulheres ocupassem espaços de poder. “A Jaque hoje é prefeita porque outras mulheres antes mostraram que era possível”, disse, com a sobriedade de quem não se mede por cargos, mas pelo impacto do que construiu.
A atuação política sempre esteve atrelada ao compromisso social. Na área da assistência, liderou a criação de grupos de idosos, fundou 16 deles em bairros e no interior; organizou padarias comunitárias, grupos de gestantes, projetos de formação. Quando faltavam creches, criou lares da criança em casas de moradores, mobilizando as comunidades para que ninguém ficasse desassistido.
Tudo isso, muitas vezes, sem receber salário. “Fiz por escolha. Nunca precisei de cargo ou remuneração para trabalhar por quem precisava”, afirmou. A mesma convicção que a levou, décadas antes, a instalar a Liga Feminina de Combate ao Câncer de Ibirubá, da qual hoje é presidente do Conselho Deliberativo, depois de garantir que a entidade tivesse uma sede própria e estrutura para acolher quem enfrenta a doença.
Mas há dores que nem toda estrutura protege. Há vinte anos, perdeu o filho Fabrício em um acidente de carro. A tragédia, que poderia ter silenciado muitos, a fez criar um grupo de apoio a mães enlutadas, uma rede de escuta, presença e solidariedade que atravessou Ibirubá e alcançou municípios vizinhos. “Só quem perdeu um filho entende”, disse.
Ao falar do grupo, reconhece que muitos pedem sua reativação. E pensa nisso. Não como missão, mas como extensão natural do que sempre fez: transformar o sofrimento em possibilidade de acolhimento.
Assim também foi com o projeto dos pequenos aprendizes, que preparou adolescentes para o mundo do trabalho, criando parcerias com o comércio local e evitando que muitos se perdessem pela falta de oportunidade. “Até hoje me encontram e dizem: meu primeiro emprego foi com a senhora”, lembra.
O serviço voluntário nunca cessou. Nelci continua ativa na Liga, no Conselho Municipal de Saúde, e segue acompanhando as atividades da comunidade sempre que pode. Mas hoje o tempo também é dedicado à família: filhos, netos e bisnetos, com quem mantém vínculos fortes e presentes.
As viagens, que começou a organizar há 25 anos com um grupo de amigos, seguem parte da rotina, entre encontros mensais e novos roteiros. “Viajar é uma escolha de vida, de continuar caminhando”, disse, sem necessidade de metáforas.
A história de Nelci Kanitz é feita de presença. Em cada sala de aula, grupo comunitário, sessão legislativa ou abraço dado em silêncio, ela reafirmou a decisão de estar onde fosse necessária. Sem protagonismos forçados, sem cargos como fim, mas sempre com a certeza de que o sentido da vida está em servir.
“Vale a pena viver. A missão que Deus nos dá precisa ser cumprida até o fim”, disse, encerrando a conversa como quem não precisa de discursos para provar o que a vida já mostrou: a grandeza está em seguir, mesmo quando há espinhos, porque eles são parte do caminho de quem escolhe não desistir.