
Quem passa pelo centro de Ibirubá certamente já cruzou com o carisma de Neri, o camelô mais antigo da cidade.
Neri Vaz, 69 anos, é uma figura conhecida de quem circula pelo centro de Ibirubá. Sentado ao lado de sua tradicional banca de camelô, na esquina da Colombo, ele não é apenas um comerciante de rua: é um contador de histórias, uma testemunha viva da transformação da cidade e, para muitos, um exemplo de perseverança e humildade.
“Se dependesse da banca hoje pra viver, eu não conseguia. Hoje ela é mais uma terapia”, diz.
Mesmo aposentado, continua todos os dias no mesmo ponto que ocupa há mais de três décadas. O que o motiva, segundo ele, é o contato com as pessoas. “Em casa, a gente só pensa bobagem. Na rua, eu converso com todo mundo, ajudo, dou risada. Isso é vida.”
Nascido em abril de 1956, Neri teve uma trajetória marcada por altos e baixos. Durante nove anos, foi funcionário dos Correios, mas largou o emprego estável após uma noite de insônia. “Pensei: amanhã não volto mais. Pedi demissão, e quando vi que não iam me liberar, botei na justiça e fui trabalhar por conta.”
A aposta no comércio de rua começou em Cruz Alta, durante os anos 1990, depois de fechar sua loja em Ibirubá por conta do Plano Collor. “Comprei uma casinha em Cruz Alta em dezembro, e em janeiro veio o plano. Se eu não tivesse comprado, teria perdido tudo. Aquela casa salvou minha vida.”
Na nova cidade, Neri montou uma banca no calçadão e tornou-se um dos camelôs mais antigos de lá. Dividia espaço com outros vendedores e chegou até a trabalhar em rádio, com o apoio de Saulo, ex-diretor da Rádio Ibirubá. “O Saulo disse pro pessoal de lá: ‘Pode pegar o rapaz, eu assino embaixo’. Isso eu nunca esqueço.”
Voltou para Ibirubá em 1993 e ali permaneceu. Chegou a ter loja própria, montou firma, emitiu notas fiscais, contratou funcionários.
“Naquela época, a gente ganhava mais que gerente de banco”, lembra.
Viajou por 19 anos ao Paraguai, trazendo mercadorias. “Só parei em 2010, depois que começaram os assaltos nas estradas. Me benzi muito por não ter estado em nenhuma daquelas viagens em que mataram motorista.”
Neri construiu três casas. Hoje, uma abriga sua ex-esposa, outra sua filha, e ele vive na terceira — mas tudo ficou no nome da ex-mulher após a separação. “A casa onde moro é onde vou ficar até o fim da vida. Isso foi o acordo.”
Mesmo com as mudanças no comércio, ele segue firme.
“Antigamente não tinha loja de R$ 1,99, nem internet. Agora tudo se compra online. Até minha filha compra mercadoria pra mim pela internet. Mas enquanto Deus me der saúde, vou estar ali.”
O comércio informal em Ibirubá, segundo ele, já foi mais forte. “Chegou a ter nove camelôs. Todos quebraram. Comprei mercadoria de quase todos. Só fiquei eu. Até pensaram em fazer um camelódromo, mas não teve mais sentido.”
Neri guarda histórias de todos os tipos — de acidentes na esquina, de políticos que lhe pedem conselhos, de moradores que voltam anos depois para agradecê-lo. “Um cara chegou esses dias e disse: ‘O senhor me levou um sacolão quando eu não tinha nada. Nunca esqueci’.”
Com orgulho, conta que foi candidato a vereador pelo PDT, mas desistiu quando o partido trocou de apoio político. “Se eu tivesse ido, tinha me elegido”, garante.
Hoje, ajuda até a descarregar caminhões da loja vizinha. “Sou o coringa da Colombo. Quando falta alguém, o camelô vai lá e descarrega.”
Ao final da conversa, deixa um recado: “A Bíblia diz que não se deve olhar para trás. O que passou, passou. Temos que olhar para frente. Enquanto puder, vou continuar ali, vendendo e conversando. É o que me faz bem.”